terça-feira, 28 de fevereiro de 2017



Uma Aventura em Londres

7º Capítulo

Os Pubs Ingleses

As Public Houses inglesas, vulgarmente conhecidas como Pubs, foi das coisas que mais me marcou na cidade de Londres. Foi um paixão à primeira vista e viria a ser decisivo na minha vida pessoal e profissional nos anos subsequentes. Estes pubs são normalmente “monumentos” com temas de origem medieval, caracterizados pela madeira escura e pouca luz. Devo ter entrado em dezenas de pubs e todos feitos de madeira maciça e com decorações variadíssimas, quase sempre no tema medieval. Mesmo em frente ao Tredici Mezzo estava o pub da Beauchamp Place. Uma particularidade: Todos ou quase todos os Pubs Londrinos, vá-se lá saber porquê, encerravam das 15h00 às 18h30. Era lei. À noite encerravam, salvo raras exceções onde eram pagas taxas elevadas, o serviço às 23h00. “Last Drinks” era a voz que se ouvia a seguir ao tocar do sino juntinho à hora de encerrar o serviço. No quente Verão de 1983 habituei-me a beber uma half-pint de Stella-Artois ou Guiness no pub em frente, antes de ir para o serviço, às 19h00. Este pub tinha a particularidade de ter todas as mesas construídas sobre a estrutura das máquinas de costura, em ferro fundido. As cadeiras eram, maioritariamente desirmanadas ou desiguais, uma de cada feitio e sem cerimónias, que creio ser uma das características deste tipo de bares ingleses. Os balcões eram, invariavelmente, construídos em madeira de sólido carvalho, polido vezes sem conta e repletos de mini toalhas com publicidade e bases para copos onde, com destreza, os funcionários pousavam as half-pint, pints e outros copos de variadíssimas bebidas.
Uma das bebidas mais populares em Inglaterra, à data, era o Gin. Em Portugal, esta bebida era, maioritariamente, bebida com água tónica e uma rodela de limão, o conhecidíssimo Gin-Tónico, ainda longe da finérrima e pretensiosa moda dos gins com “água mediterrânica captada a vinte sete metros e meio de fundo num ribeiro com obrigatória passagem pelo paralelo 21, a nove graus e meio célsius, tingida com um fruto silvestre de origem nas ilhas formigas, colhido exatamente no dia 30 de Fevereiro, às doze horas e sessenta e um minutos exatos, TMG”. Apercebi-me que era comum em Inglaterra ser bebido quase puro, sobretudo por senhoras inglesas de idade. Na Beauchamp Place existia um bar junto ao Tredici Mezzo onde, diariamente e sempre quando eu saía do trabalho, estava uma idosa senhora a beber o belo do Gin junto às 15h00, sentada ao balcão na companhia de um fumarento cigarro a observar quem passava na movimentada Beauchamp Place. Era, creio, uma bebida de culto, tradicional entre esta faixa e género, tida como a bebida das “velhas inglesas”, ao qual esta idosa senhora fazia jus.
Estes pubs serviam pequenas doses de comida, exposta nas vitrinas em cima dos balcões de madeira. Naquele escaldante verão em que o calor apertou a valer, eram espaços propícios ao encontro de todos os que saíam às 18h00 dos trabalhos e que faziam, de imediato, fila para ir beber um copo assim que as portas abriam às 18h30. Fiquei curioso com algumas situações distintas: As torneiras da “imperial” era manuais, sem gás. A cerveja era extraída do barril pela força do braço que acionava a bomba. Fiquei, também, deslumbrado com os dispensadores de bebidas, com medida automática. Aquelas ampolas que se vêm por baixo das garrafas viradas ao contrário suspensas numa qualquer prateleira, foram para mim uma completa novidade. Outra particularidade interessante. As colas, sumos e sodas saíam de uma pistola na extremidade de uma “bicha” de chuveiro ligada a um saco!!! “Credo em cruz, santo nome de Jesus”. Primeiro que percebesse como é que aquilo funcionava ainda patinei. Mais tarde viria a perceber o funcionamento mas na altura custou a entrar a cabeça. As coisas que uma pessoa via em 1983. Neste périplo pelos pubs lembrava-me constantemente dos meus amigos e no gosto que seria viver em conjunto esta farra de estar em Londres a curtir a vida. Antes de ter vindo para Londres tinha tido um ano interessante em saídas à noite com um grupo numeroso, quer fosse para o Strob’s em Gouveia ou para o Soft Touch no Penedo, passando pelas discotecas da Praia das Maçãs, obrigatoriamente, à boleia no “caixão” do Janeca, no mini do Caixas ou no Peugeot do Pote.
Sentia que o modelo dos pubs era uma fórmula de sucesso. Na nossa zona seria uma completa novidade, associado ao facto de poder trabalhar outro tipo de produtos diferentes, tendo por base o que vira. Na minha cabeça tudo fazia sentido. Existia uma confluência de fatores críticos de sucesso neste modelo de negócio. Durante a fase final do serviço militar obrigatório fiz centenas de desenhos à escala em papel quadriculado com a configuração do espaço, onde tudo ficou mais ou menos delineado. Balcão, W.C.’s, Lareira, Escadas, Mesas, Cozinha, etc. A decoração estava na minha cabeça, registada nos momentos em que conseguia, sofregamente, visitar os pubs londrinos. Sei que, tendo por base o que vi e vivi em Londres, 4 anos mais tarde e logo após o serviço militar obrigatório estava, em conjunto com os meus pais e o meu irmão, a abrir um café-bar com semelhanças ao modelo trazido de Inglaterra, nem mais. Na antiga adega da família Semião, entretanto adquirida pelo meu pai ao José Gomes, viúvo da falecida Joaquina “da Rata”, nasceu o Camacho’s Café Bar, no dia 27 de Maio de 1987. O meu gosto pelas tascas inglesas foi “descarregado” no nº 9 do Largo José dos Sanos Coelho na aldeia de Fontanelas, após um ano de trabalho na sua construção onde de tudo fiz, desde a demolição iniciada no dia 1 de Maio de 1986 quando começámos a remover o recheio, dar serventia ao pedreiro durante todo o processo, até à abertura da porta da frente do Camacho’s, às 18h00 de uma esplendorosa Sexta-feira, um dos melhores dias da minha vida apesar do enorme cansaço, nervoso miudinho e uma brutal espectativa. O resto da história do Camacho’s já uma grande parte de vós presenciou, presumo, mas “são contas de um outro rosário”.
Muito mais estaria para contar, não fossem os trinta e quarto anos de distância apagarem parte das memórias vividas nesse memorável e escaldante Verão de 1983. Após esta experiência única de dois meses regressei já com dezanove anos, cheio de sonhos, ensonado, feliz e contente, no dia 20 de Setembro, com direito a uma receção da família e amigos no aeroporto da Portela.
É, no meu entender, absolutamente necessário cada um de nós passar por uma Londres qualquer, entender o mundo “fora da caixa”, fora da nossa caixa. Abre horizontes, aprendemos a tolerar a diferença, faz-nos sair da nossa área de conforto, ajuda-nos a entender e a conviver com mundos e pessoas diferentes para além de, e aí sim, aprendermos a valorizar o que temos de bom, desde as nossas raízes, clima, família, até ao simples facto de valorizarmos a liberdade de podermos trabalhar e circular sem sermos abordados por polícias desconfiados de que estamos onde não devemos estar como me aconteceu, aos 19 anos de idade, num banco de jardim num solarengo Domingo à tarde, na cidade de Londres.
Conhecer Londres ou outras paragens é absolutamente obrigatório. Obrigatório mesmo. Se for aos 19 anos, melhor ainda…

Obrigado


Carlos Camacho

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