sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Uma Aventura em Londres
3º Capítulo
O Restaurante
Em Londres, e pela mão dos colegas italianos, fiquei a saber que “Portoghese” em Itália é sinónimo de não-pagador, borlista. “Sono 40.000 paganti e 2000 Portoghesi”, anunciava ao microfone o “speaker” de serviço no jogo Roma-Inter. Remonta a 1513 quando o Papa Leão X convidou rei D. Manuel l a visitar Roma, permitindo que toda a comitiva não pagasse determinados produtos e serviços aquando da sua visita. Ao que consta, alguns italianos fizeram-se passar por portugueses e usufruiram da benesse, dando uma outra dimensão à “borla”. A partir dessa data, todos os borlistas passaram a ser chamados de “Portoghese”, chegando aos dias de hoje.
Se o intuito era aprender inglês, comecei pelo italiano. “Via la cinque” dizia-me o Carlo no seu italiano de Milão. Fumava Gitanes sem filtro para impressionar as “Regazze” dando ares de “macho man”, compondo ao espelho do hall a sua cabeleira de caracóis, bem à moda do início dos anos 80. Espero que os Gitanes sem filtro não lhe tenham causado uma doença pulmonar… . Na cozinha mandavam os Manolos. Rey e Camaño. À Segunda, Terça e Quarta o Manolo Rey servia “Pasta”. À Quinta, Sexta e Sábado o Manolo Camaño “Pasta” servia. Eram uma dupla imbatível a trabalhar no fogão de seis bicos, onde a frigideira debitava “Fettuccine al Salmone” e outras iguarias italianas de lamber os dedos. Um deles gabava-se que quando era novo descrevia uma circunferência completa assente no seu próprio corpo, na horizontal, tendo um eixo natural a meio do corpo, objecto viril, firme e hirto, que nem o próprio peso vergava, tal era a pujança do “animal”, segundo ele. Também o Simone, siciliano de Palermo, corrigia-me permanentemente por eu lhe chamar “chimone”, provocando uma entoação semelhante a “macaco”, em siciliano. Na minha saga linguística, a primeira coisa que os colegas me ensinaram foi a praguejar com direito a explicadores privados tal era a intensidade dos mimos verbais a mim dirigidos, quer estivesse ou não à altura das tarefas indicadas. Fazia parte da receção ao caloiro do restaurante. Já o Sr. Dino, com a sua calma habitual, teve toda a paciência comigo e ensinou-me a fazer Cappuccinos bem caprichados, com a habitual espuma de leite polvilhada com chocolate. Depressa passei a mencionar de cor as mães e mulheres dos colegas, aludindo em italiano também regularmente às suas virtuais crescenças ósseas na testa, ornamento imaginário imprescindível neste “metier” londrino. Também as pendurezas naturais dos homens e mulheres eram regularmente chamadas a público nas “conversas da treta” e “piadas de caserna”. Aprendi a falar com as mãos e a praguejar em italiano. Só depois de ler um livro do Antonhy Bourdain sobre o “metier” das cozinhas é que me apercebi das semelhanças com aquela cozinha em 1983. Cozinha é cozinha. No Tredici Mezzo ou num qualquer restaurante “Inn” em Nova Iorque ou Paris. A fauna é a mesma, o cheiro é o mesmo e os empregados têm as mesmas pancas, vícios e virtudes de todos os outros. Excelentes seres humanos e colegas. Um detalhe. A comida servida no restaurante era de elevada qualidade, bem como o serviço ao cliente. O Sr. Dino era, de facto, um excelente “manager” e mantinha o restaurante com um elevado nível de clientes, quer na quantidade como na qualidade. Foi aí que vi pela primeira vez um piloto de Fórmula 1 ao vivo e a cores. Até essa data só nas páginas do Auto Sport de onde recortava fotos dos pilotos e respetivos carros. No meu imaginário juvenil dar de caras com um piloto de Fórmula 1 era o mesmo que me sair a Taluda do Natal, duas vezes seguidas. Mas aconteceu. O meu embaraço e espanto impediram-me de caçar um autógrafo ao René Arnoux, que à data fazia equipa com Patrick Tambay na famosíssima Ferrari, quando foi jantar ao Tredici Mezzo num atarefado Domingo à noite desse memorável Verão de 1983. Nessa noite fui cabisbaixo para o quarto só de pensar que tinha desperdiçado uma oportunidade única, a oportunidade de mostrar aos meus amigos portugueses, quando voltasse para Portugal, um autógrafo caçado a um dos maiores pilotos de Fórmula 1 à data.
Tenho a certeza absoluta que aquele Verão teve uma importância decisiva na minha vida pessoal e profissional. A minha vida não teria sido a mesma sem aqueles dois meses de ouro a conviver com um mundo inimaginável para um saloio de gema nascido em 1964, no nº 3 da Rua do Rio, Fontanelas, S. João das Lampas, Sintra, Portugal. A primeira saída da parvónia e pimba: Londres.
Deslumbramento total. Conhecer mundo é bom. Conhecer mundo com 18 anos é deslumbramento e descoberta.

Continua…

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