sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Uma aventura em Londres
4º Capítulo
Saudades
Trabalhava das 10h00 às 15h00 e das 18h00 até fechar, com uma folga semanal e meio dia de Domingo. Abria só às 19h00. Lá equilibrei o “deve e haver” e comecei a ganhar asas. Matriculei-me numa escola de inglês para dar corpo ao motivo que a Londres me levara. Paguei a inscrição na escola, mais uma semana adiantado e fui lá dois dias. Bolas! Nem me lembro onde era a escola tal foi a pressa com que me baldei. As aulas valiam o que valiam, no meu entender, à data. Não estava disposto a estar parado num local durante 2 ou três horas diárias, sacrificando a descoberta de uma cidade à mão de semear, sacrificando o deslumbramento de poder estar a descobrir pessoas e locais completamente novos para mim. Habituei-me a caminhar em Londres.
No dia 27 de Julho subia a Harrington Road a caminho do trabalho quando, ao passar por uma banca de jornais encaro com uma notícia de Lisboa: “Terroristas Assaltam Embaixada da Turquia em Lisboa”, noticiavam vários jornais na primeira página, entre eles o Correio da Manhã português. Epá!!! Para um português adolescente aprendiz de imigrante clandestino em Londres, Lisboa assumir este protagonismo internacional era para mim motivo de indisfarçável orgulho, que fiz questão de mostrar ao chegar ao restaurante. Só não comprei o jornal porque ainda estava na fase de desabono financeiro. Nesse dia senti-me menos anónimo e com a autoestima mais em alta. Afinal Lisboa e Portugal também eram notícia e não eram assim tão desconhecidos em Inglaterra e no mundo… J
As coisas que se podem vivenciar aos 18 anos. A emoção à flor da pele. Já depois da saudade começar a fazer mossa, dei de caras com um poster promocional das Azenhas do Mar, na foto típica da cascata de casas, piscina e mar, na montra de uma agência de viagens na estação de metro em Knightsbridge, junto ao Harrods, Parei estarrecido, imóvel. Começaram-me os olhos a ficar encharcados de lágrimas enquanto olhava em volta e tentava dizer às pessoas “eu sou daqui perto”, “moro um pouco mais acima”, “já tomei banho naquela piscina”. Sem sucesso, já que as palavras eram barradas pelo choro provocado pela emocionada e intensa saudade da santa terrinha. Estar longe de casa traz estas coisas. Estar longe de casa por um tempo anormal, traz-nos vivências intensíssimas, levadas ao limite pela fragilidade emocional. Vive-se tudo com muito mais convicção e determinação. Dá-se e recebe-se mais. Estamos a viver sem “rede”, sem suporte. Somos mais “nós”. Marca-nos!!!  

Por volta da data dos meus anos, mudei de quarto. Deixei a zona de Gloucester Road e andei uns quarteirões para baixo, Evelyn Gardens, numa espécie de camarata para estudantes do Imperial College, mais barato e com melhores condições, embora com quarto duplo. Começou bem. O recepcionista enganou-se e colocou-me num quarto duplo feminino, pelo que quando cheguei à tarde do dia da folga tinha uma chave e a mala aviada para outro poiso mais adequado. Realmente estranhei quando, à tarde, fui lá deixar os meus parcos haveres e ter visto uns sapatos de salto alto vermelho vivo, bem como um vestido ramado pendurado num cabide na porta de madeira do guarda-vestidos.  
No dia da mudança de quarto completava 19 anos. 22 de Agosto de 1983. Convidei o Sr. Dino, mais dois colegas e fomos cear à Pizzeria Pomodoro, mesmo em frente ao Tredici Mezzo. Como bom dia de comemoração, acabei a noite a beber goles pelo gargalo de uma pujante litrada de Bell’s Scotch Whisky, aterrando num banco de jardim algures perto de Evelyn Gardens, bêbado que nem um cacho e sem encontrar o Imperial College, a minha nova guarida. Algumas horas depois, com um menor teor alcoólico no sangue e uma monumental ressaca, lá consegui atinar com o quarto, tomar um duche e retomar o serviço no restaurante.
Incha aí, marreta. O dia 23 de Agosto de 1983 foi um dos dias mais difíceis em Londres. Uma monumental ressaca e ter que aguentar firme e hirto aquela terça-feira de trabalho foi obra. Aguenta que é serviço!
Perto da meia-noite lá fui, cabisbaixo, mais morto que vivo a pé até à camarata do Imperial College, em Evelyn Gardens, a minha nova guarida por mais umas semanas.


Continua…

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