Uma
aventura em Londres
4º
Capítulo
Saudades
Trabalhava das
10h00 às 15h00 e das 18h00 até fechar, com uma folga semanal e meio dia de
Domingo. Abria só às 19h00. Lá equilibrei o “deve e haver” e comecei a ganhar
asas. Matriculei-me numa escola de inglês para dar corpo ao motivo que a
Londres me levara. Paguei a inscrição na escola, mais uma semana adiantado e
fui lá dois dias. Bolas! Nem me lembro onde era a escola tal foi a pressa com
que me baldei. As aulas valiam o que valiam, no meu entender, à data. Não
estava disposto a estar parado num local durante 2 ou três horas diárias, sacrificando
a descoberta de uma cidade à mão de semear, sacrificando o deslumbramento de
poder estar a descobrir pessoas e locais completamente novos para mim.
Habituei-me a caminhar em Londres.
No
dia 27 de Julho subia a Harrington Road a caminho do trabalho quando, ao passar
por uma banca de jornais encaro com uma notícia de Lisboa: “Terroristas
Assaltam Embaixada da Turquia em Lisboa”, noticiavam vários jornais na primeira
página, entre eles o Correio da Manhã português. Epá!!! Para um português
adolescente aprendiz de imigrante clandestino em Londres, Lisboa assumir este
protagonismo internacional era para mim motivo de indisfarçável orgulho, que
fiz questão de mostrar ao chegar ao restaurante. Só não comprei o jornal porque
ainda estava na fase de desabono financeiro. Nesse dia senti-me menos anónimo e
com a autoestima mais em alta. Afinal Lisboa e Portugal também eram notícia e
não eram assim tão desconhecidos em Inglaterra e no mundo… J
As
coisas que se podem vivenciar aos 18 anos. A emoção à flor da pele. Já depois
da saudade começar a fazer mossa, dei de caras com um poster promocional das
Azenhas do Mar, na foto típica da cascata de casas, piscina e mar, na montra de
uma agência de viagens na estação de metro em Knightsbridge, junto ao Harrods,
Parei estarrecido, imóvel. Começaram-me os olhos a ficar encharcados de
lágrimas enquanto olhava em volta e tentava dizer às pessoas “eu sou daqui
perto”, “moro um pouco mais acima”, “já tomei banho naquela piscina”. Sem
sucesso, já que as palavras eram barradas pelo choro provocado pela emocionada
e intensa saudade da santa terrinha. Estar longe de casa traz estas coisas.
Estar longe de casa por um tempo anormal, traz-nos vivências intensíssimas,
levadas ao limite pela fragilidade emocional. Vive-se tudo com muito mais
convicção e determinação. Dá-se e recebe-se mais. Estamos a viver sem “rede”,
sem suporte. Somos mais “nós”. Marca-nos!!!
Por
volta da data dos meus anos, mudei de quarto. Deixei a zona de Gloucester Road
e andei uns quarteirões para baixo, Evelyn Gardens, numa espécie de camarata
para estudantes do Imperial College, mais barato e com melhores condições,
embora com quarto duplo. Começou bem. O recepcionista enganou-se e colocou-me
num quarto duplo feminino, pelo que quando cheguei à tarde do dia da folga
tinha uma chave e a mala aviada para outro poiso mais adequado. Realmente
estranhei quando, à tarde, fui lá deixar os meus parcos haveres e ter visto uns
sapatos de salto alto vermelho vivo, bem como um vestido ramado pendurado num
cabide na porta de madeira do guarda-vestidos.
No
dia da mudança de quarto completava 19 anos. 22 de Agosto de 1983. Convidei o
Sr. Dino, mais dois colegas e fomos cear à Pizzeria Pomodoro, mesmo em frente
ao Tredici Mezzo. Como bom dia de comemoração, acabei a noite a beber goles
pelo gargalo de uma pujante litrada de Bell’s Scotch Whisky, aterrando num
banco de jardim algures perto de Evelyn Gardens, bêbado que nem um cacho e sem
encontrar o Imperial College, a minha nova guarida. Algumas horas depois, com
um menor teor alcoólico no sangue e uma monumental ressaca, lá consegui atinar
com o quarto, tomar um duche e retomar o serviço no restaurante.
Incha
aí, marreta. O dia 23 de Agosto de 1983 foi um dos dias mais difíceis em
Londres. Uma monumental ressaca e ter que aguentar firme e hirto aquela
terça-feira de trabalho foi obra. Aguenta que é serviço!
Perto
da meia-noite lá fui, cabisbaixo, mais morto que vivo a pé até à camarata do
Imperial College, em Evelyn Gardens, a minha nova guarida por mais umas
semanas.
Continua…
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