2º
Capítulo
Desbravar
terreno
Após
o embate inicial e aculturação obrigatória, lá me consegui instalar. Apesar de
caduco e velho, o quarto dava para dormir as horitas necessárias. O W.C. era
comum a dois andares e tinha que descer a pesada escada de mogno escuro com
alguma contenção para não acordar os menos madrugadores, já que a escada era
uma autêntica sinfonia.. Água quente nem sempre e a correr um fiozito que mal
dava para enxaguar os dentes e lavar as partes. No dia 18, segunda-feira, fui
apresentado ao staff do Tredeci Mezzo. Fui substituir o Zé Pinheiro, do Porto,
que vinha de férias para Portugal ao fim de um ano sabático a cumprir
calendário para entrar na universidade, segundo ele. Deu-me umas dicas e peguei
ao serviço. Camisinha branca, calça escura e sapatinho engraxado, como manda a
lei. Iniciei naquele dia o gosto pela “Pasta”, em português: Massa. Ao almoço e
ao jantar. Ao almoço e ao jantar. Ao almoço e ao jantar… . Como bom aprendiz,
fiz o que me mandaram fazer. Ajudar na matinal limpeza geral, lavar pratos,
chávenas e pires, servir Cappuccinos, cafés expresso, refrigerantes e garrafas
de vinho branco Frascatti e tinto Valpolicella, bem como doses de manteiga e
“grissini croccanti”, tudo no nº 13, cave, da Beauchamp Place, em
Knigthsbridge, centro do mundo para um português adolescente aprendiz de
emigrante clandestino, no restaurante italiano Tredici Mezzo, de seu nome. Meio copeiro, meio barista, nem mais,
já está! Parabéns ao arrematante.
Obrigado
Sr. Dino e D. Maria do Rosário pelo cuidado, atenção e paciência que tiveram
comigo ao longo da minha epopeia londrina. Que mais podia eu querer?
Receberam-me e ainda era pago! Jamais poderei esquecer a atenção e
generosidade.
Dois
cozinheiros espanhóis, dois ajudantes (um catalão de Barcelona e uma brasileira
do Rio) um português do Porto de saída e três italianos no atendimento às
mesas, compunham o “staff” deste bem frequentado restaurante no número treze,
cave, mesmo em frente à famosa Pizzaria
Pomodoro e vizinho do finérrimo e muito “inn” “San Lorenzo, Osteria and Classic Italian Food”.
Nesse
mesmo dia comecei a desbravar as redondezas. Verifiquei com surpresa que, dos
poucos restaurantes portugueses que existiam em Londres, dois eram na Beauchamp
Place. O “Caravela” e o “Fado”. Também um Pub mesmo em frente ficou logo na
mira. Ao passar junto à porta do Ciro’s Pizzaria Pomodoro fiquei de imediato fã, só pelo cheiroso
aroma que subia pelas inclinadas escadas de acesso ao restaurante situado na
cave. Lá conheci um Português, João Neves. Tinha ido para Londres tal como eu,
numa de aventura para conhecer mundo. Algum tempo depois vi o João num anúncio
televisivo da Rexina, após ter sido atleta olímpico no judo e ganhar
visibilidade mediática. Essa Pizzaria foi um dos meus principais poisos na
Beauchamp Place. As pizzas, o contacto com o João e a deslumbrante vista que uma
empregada de mesa australiana, com um decote arejado, proporcionava quando se
debruçava na mesa a anotar o pedido. Numa primeira ida à pizzaria e não
conseguindo dizer com os requisitos necessários a palavra “Menu”, tive direito
a explicação detalhada de como o fazer pela zelosa funcionária. Como não tinha
pressa e a professora fazia questão de zelar pela língua inglesa, no dia
seguinte lá desci as escadas para nova explicação enquanto, inclinada, tomava
nota do pedido no bloco assente no coçado tampo de madeira escura. A Pizzaria
pertencia ao Ciro Orsini, italiano imigrado em Inglaterra, tal como milhares de
compatriotas que levaram a comida italiana à capital inglesa. Já à data o Ciro
era um personagem “sui generis”. Transformou, aparentemente, uma simples
pizzaria num bem sucedido negócio além fronteiras, com pontos de venda nos
Emirados Àrabes.
À noite, quando não
ia de metro para casa, descia a Cromwell Road em direcção a Earls Court,
passando ao lado de casinos chineses instalados nas caves destes distintos
prédios de zona “bem”. À data já Londres era muito movimentada durante a noite,
ouvindo-se regularmente os Rover 3000 da Polícia londrina passarem “a fundo” em
plena acção. Nesse quente Verão de 1983, nada melhor do que chinelar o sapatito
raso no gasto passeio em frente ao Museu de História Natural, bebendo a noite
londrina e o cheiro dos plátanos que bordejavam a rua.
A vida traz-nos
algumas coisa boas
Continua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário