Uma
Aventura em Londres
5º
Capítulo
A
Gula
Saía
do restaurante às 24h00, aproximadamente. Muitas das vezes não me dava ao
trabalho de ir apanhar o metro à estação de Knightsbridge junto ao Harrods e
fazia os dois quilómetros a pé passando, quando havia dinheiro, por um Kentucky
Fried Chichen aberto junto à estação de metro de Gloucester Road. Aquele frango
estaladiço, suculento, gorduroso e acabado de fritar acompanhado de “chips” marchava
que nem ginjas, tipo ceia da meia-noite. Quando andava na rua tinha sempre fome.
Os cheiros, a novidade, a voracidade juvenil e principalmente a gula
acompanhavam-me, religiosamente, para todo o lado. Para mim o fast-food era um
conceito totalmente novo, uma completa novidade. Nunca em tal tinha ouvido
falar. Era tal a novidade que enquanto estive em Londres devo ter gasto mais de
50% do meu orçamento em comida. Comida precisava-se. No restaurante almoçava e
jantava “Pasta”. “Primo piatto” todos os dias. Aprendi a gostar de “pasta” no
Tredici Mezzo. Aprendi a cozinhar massa nessa altura olhando, curioso, para a
forma como coziam e salteavam a massa no fogão de seis bicos numa frigideira
habilmente manuseada por um dos Manolos da cozinha, quer fosse com manjericão,
tomate, natas, cogumelos ou qualquer outro ingrediente fresco entregue
diariamente na cozinha do restaurante. Ainda hoje faço, regularmente e em casa,
massa com base na memória visual obtida nessa fabulosa cozinha do Tredici
Mezzo. Em frente tinha as pizas da Pizzaria Pomodoro. Muitas foram feitas pelo
português de serviço à Pizzaria Pomodoro, o João Neves. Também aí ganhei um
verdadeiro interesse pela confeção e degustação das pizas, até aos dias de
hoje. Graças a esses dois meses de ouro em Londres, ainda hoje faço pizas em
forno a lenha com todos os requisitos desenvolvidos ao longo de mais de 30 anos
de pura curiosidade começada no ano de 1983 na cidade de Londres, a ver o João
ou outro “pizzaiollo” na Pizzaria Pomodoro. O difícil mesmo era vencer a gula
desenfreada deste esfaimado animal bem criado ao longo de 18 anos na quinta do
Domingos Tanoeiro e da Gertrudes Vitorino. No meu baú de memórias degustativas
e olfativas um dos primeiros lugares é ocupado por uma Hamburgueria chamada
Julianas, mesmo em frente ao Harrods, na Brompton Road, sítio encantado e
primeira paragem obrigatória após a saída do trabalho às 15h00. Lá matava a
larica quando o almoço já lá ia há mais de três horas. Nos anos 80, que me
lembre, Londres ainda não tinha a “Fina Flôr do Entulho do Junk Food Mundial”, o
Mac Donalds de seu nome, importada dos States qual praga de erva daninha
plantada em todos os sítios que cheire a dinheiro. Este “Escalrracho” da comida
da treta não me apareceu à frente porque se aparecesse também marchava,
provavelmente com muita satisfação. Em Inglaterra comi o melhor e o pior hamburguer
da minha vida. Como depressa ganhei aversão à escola, passei a ter mais tempo
para vadiar, calcorreando meia Londres a pé ou até onde o metro me levava. Um
dos destinos frequentes era Piccadilly Circus, bem no centro da cidade. Aí
reinava um dos meus sítios favoritos em Londres: O Wimpy. O Wimpy de Piccadilly
foi onde comi o melhor hambúrguer da minha vida. Vinte e três anos depois, em
Agosto de 2007, reencontrei este “velho amigo” na autoestrada M25, a caminho de
Sevenoaks, Kent, vindo do aeroporto de Gatwick. Virei-me triunfante para o meu
filho e disse-lhe: “Estes gajos têm os melhores hambúrgueres que já comi até
hoje”, disse-lhe com plena convicção e uma certeza inabalável. Dirigimo-nos com
toda a pica degustar este paladoso e afamado pitéu com lugar no meu baú de
memórias. Criei uma espectativas brutais no Zeca. Descrevi-lhe o afamado
restaurante com todos os detalhes enquanto as minhas memórias afloravam à meca
dos hambúrgueres de Piccadilly, num misto de saudade e nostalgia. Se bem ouviu melhor
comeu dois “cheeses” enquanto o diabo esfregou um olho. No que toca a mim, dei
duas dentadas e não consegui chegar ao fim do meu hambúrguer. Intragável. O
pior hambúrguer da minha vida. O modo de preparação era o mesmo. Os
hambúrgueres eram os mesmos. Os acompanhamentos eram os mesmos. A única coisa
que mudou fui eu. A minha idade, a fome, o palato e a novidade que era estar em
Londres, livre que nem um passarinho cuja preocupação era apenas e simplesmente
lembrar-me de tudo para poder contar com detalhe aos meus amigos em Portugal,
chegar ao final da noite com o estomago aconchegado e uma enorme pica de
começar tudo no dia seguinte como se fosse o primeiro, preferencialmente a descobrir
e a andar mais, e mais, e mais… . As voltas que a vida dá, as voltas que nós,
pouco a pouco e sem nos apercebermos, damos. Ainda bem que tive oportunidade de
conhecer Londres aos 18 anos. Todos deveríamos conhecer uma “Londres” aos 18
anos.
Continua…
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